Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2004       Página Inicial (Índice)    


16/09/2004
A convergência digital e o futuro

Ao falar de convergência digital, geralmente se refere à simplificação possível nas redes de comunicação possibilitada pela adoção crescente de conteúdo digital, ou seja, por meio de sinais discretos, ao invés de alternativas analógicas, como usadas tradicionalmente na telefonia e na televisão. Numa das primeiras colunas publicada neste espaço, em 19 de junho de 2000 , foi abordado este assunto, com uma descrição de como a transformação de todas as diferentes mídias transmitidas para a representação digital leva de maneira inexorável para uma solução única de infra-estrutura de transporte e distribuição destas mídias. Foi inclusive apontado o papel de facilitador da tecnologia Internet, que vinha sendo apontada como a real solução para a convergência digital, depois das propostas inadequadas de Rede Digital de Serviços Integrados (RDSI), nas suas duas encarnações de faixa estreita (FE) e faixa larga (FL).

Essa coluna anterior foi redigida no auge da "bolha" que assanhou o mundo das telecomunicações no final do século passado, com a realização de grandes negócios, não todos aconselháveis, e que acabou estourando subitamente, deixando na lona ou muito fragilizadas empresas e investidores. Agora, quatro anos mais tarde, poderemos examinar se continua válida a análise apresentada em 2000. Nem tudo foi perdido, evidentemente. Muitos dos investimentos realizados nessa época, especialmente na montagem de infra-estrutura de comunicação (lançamento de cabos ópticos), foram muito oportunos, mesmo se o benefício não tivesse sido dos investidores originais.

Se olharmos para questões de acesso doméstico à comunicação, observamos que houve evolução significativa no setor que costuma se chamar de "banda larga", onde nos últimos dois anos a oferta de conexões tem se multiplicado enormemente, baseada principalmente nas tecnologias de TV a cabo (serviços como Virtua e @jato) e de ADSL (serviços como Speedy e Velox). Estas alternativas, que são de preço fixo, se comparam favoravelmente em capacidade e preço com as alternativas anteriores de acesso discado, limitadoas em banda e com custo proporcional à ocupação da linha telefônica usada. Vemos então a procura acentuada por estes serviços de maior capacidade como testemunha fiel da maior penetração de tecnologia e uso da Internet na vida da população.

A penetração da Internet também se manifesta pela maior adesão ao uso de tecnologia WWW como meio de divulgação de toda espécie de informação e também pelo seu uso em relações comerciais, com compras e outras transações financeiras via Internet, e com os governos, com acesso a serviços por meio da Internet. Não surpreende hoje que a maneira mais tranqüilo de assistir um filme ou outro espetáculo numa cidade grande como o Rio ou São Paulo seja comprar seu ingresso via rede e imprimi-lo em casa, sem precisar entrar em fila na bilheteria do cinema ou teatro.

A Internet também começa a reformar os hábitos e práticas de outras áreas. Há quatro anos, foi lançada a iniciativa Portal dos Periódicos pela CAPES, agência do Ministério de Educação que cuida da pós-graduação nas universidades brasileiras. Esta iniciativa coloca ao alcance dos alunos e professores de 130 universidades brasileiras com cursos de pós-graduação uma biblioteca ímpar consistindo das coleções de 8117 revistas nacionais e estrangeiras e 80 bases de dados bibliográficos. O acesso é feito via Internet e é gratuito para os usuários destas instituições (v. www.periodicos.capes.gov.br ). Esta iniciativa substitui a prática anterior da CAPES assinar um número limitado de revistas impressas para as bibliotecas das instituições apoiadas, fazendo com que algumas delas estivessem com algumas coleções parciais, ficando dependentes de outras bibliotecas para atender às suas próprias necessidades. Acredito que esta iniciativa da CAPES tenha sido uma das mais importantes dos últimos anos.

Então está patente a maior importância da Internet como tecnologia do que há poucos anos. Isto por si só não demonstra a convergência. Esta decorreria da substituição de outras redes pela própria rede Internet. As candidatos óbvias para substituição são as redes que hoje fazem chegar às nossas casas os serviços de TV a cabo e de telefonia.

O caso de TV a cabo é interessante, porque já existe uma certa convergência com o uso do cabo deste acesso para prestar serviço Internet, especialmente os serviços Virtua e @jato. Entretanto, neste momento as técnicas usadas são um pouco diferentes, pois os canais de TV utilizam tecnologia analógica, e para acesso Internet requer-se um modem para converter em analógicos os sinais digitais usados pelo computador, para posterior transmissão como se pertencessem a um dos canais de TV no cabo. Não se sabe com certeza até quando vai continuar esta forma de transmissão de sinais de TV, pois está chegando a nova tecnologia de TV digital. Nesta, o sinal de TV é composto de um fluxo de bits, que serão convertidos em som e imagem no aparelho receptor de televisão. Uma vez que mudemos para sinais digitais de TV transmitidos por cabo, do ponto de vista da rede de transmissão desaparece a distinção entre o que são dados para computador e o que são programas de TV. Todos são bits, e uma escolha de tecnologia ideal para atender a ambos é o uso de tecnologia Internet.

Tem quem acredita que esta convergência não tardará, e neste preciso momento está sendo realizado um grande esforço nacional para estudar esta tecnologia, de modo a adotar um padrão brasileiro de TV digital, que complemente e substitua o atual para TV analógica. Quem está comandando este esforço é o FUNTTEL - Fundo de Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações do Ministério das Comunicações, que está financiando o desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), através de ações da Finep, órgão financiador subordinado ao MCT (v. www.finep.gov.br/imprensa/noticia.asp?cod_noticia=361 ). Estão habilitadas para participar nesta primeira fase quase 80 grupos de pesquisadores em diferentes instituições nacionais (v. http://www.finep.gov.br/imprensa/noticia.asp?cod_noticia=385 ), e em breve serão alocados os primeiros contratos para o desenvolvimento de protótipos em prazo de 10 meses.

Mas talvez o que mais claramente demonstra o avance da convergência é a adoção de telefonia sobre a Internet, também conhecido como Voz sobre IP (VoIP) ou telefonia IP, onde a voz é digitalizada e transmitida sobre a Internet. A viabilidade de fazer este tipo de comunicação entre as pessoas pela Internet foi demonstrada há muito tempo, através de uma pletora de aplicações diferentes (v. o sítio Virtual Voice, para alguns exemplos - www.virtual-voice.com ). Estas aplicações não se limitam apenas à comunicação por voz, mas podem incluir também a sua imagem, agora sendo chamada de videoconferência, como no caso do NetMeeting da Microsoft. O uso de software de "banda larga" viabiliza este tipo de comunicação entre pares de computadores da Internet.

Ano passado, como noticiado na coluna de 30 de novembro de 2003 , foi lançado novo software para telefonia IP, chamado Skype, inventado pelos autores de KaZaA, aplicação bem conhecida para compartilhamento de arquivos. Skype tem se mostrado um fenômeno, com quase 23 milhões de cópias já feitas do software. Segundo seus adeptos, a qualidade do som é mais para CD do que para a telefonia tradicional. Os inventores prometem nunca cobrar por seu uso entre computadores. Entretanto já anunciaram que vão passar a prover serviço entre usuários de Skype e usuários de telefonia tradicional, a preços muito baixos, pois as chamadas interurbanas e internacionais usariam a Internet, ao invés da rede de telefonia tradicional, que é tarifada. Em outras palavras, todas chamadas para telefones convencionais via Skype seriam locais, a um preço fixo e baixo. Acabo de ser noticiado esta semana o anúncio que a provedora nacional de telefonia GVT lançou um novo serviço de telefonia IP, para empresas e residências (v. www.telecomweb.com.br/noticias/artigo.asp?id=77269 ). Ela também promete telefonia internacional ao preço de telefonia local.

O que fazem estes novos serviços, de TV digital e de telefonia IP, é permitir que as diversos serviços de comunicação, antes entregues separadamente, agora sejam acessível através de acesso único, assim alcançando a convergência de redes almejada.

Há outras questões, que vão ficar para outra hora. Numa discussão em painel sobre este assunto semana passado no Simpósio Brasileiro de Telecomunicações realizado em Belém, outro painelista lembrou que eu nada havia falado sobre a telefonia móvel, que hoje já tem mais terminais do que a fixa no Brasil. Na visão dele, ainda existirá por algum tempo uma separação entre a voz (telefonia) e outros usos de comunicação, inclusive a Internet. Parece-me que para ele a convergência ocorre no terminal, onde se usaria o mesmo aparelho para diferentes serviços, porém as redes de transmissão seriam distintas.

A outra questão importante seria: se houver um único acesso pelo qual passa toda a comunicação, de quem seria este acesso? Até certo ponto já foi discutido este assunto na coluna de 15 de abril , onde foram indicadas as vantagens de manter uma administração da infra-estrutura de acesso independente dos serviços que esta possibilita. Como indicado nessa coluna, isto já está sendo alcançado em cidades em alguns outros países, e parece ser um modelo apropriado entre nós.